Do Unicórnio ao Camelo: O quê podemos nos atentar em nossas Startups

 

Em agosto de 2019, recebi minha primeira oportunidade profissional. Me tornei estagiário de análise de empresas da EqSeed, uma empresa que avalia Startups promissoras e abre rodadas de investimentos online. Quando comecei essa atividade, tinha muito mais conhecimento teórico do que prático sobre o negócio. Porém, estagiar em uma startup exige que você participe do processo por inteiro, o que te mostra diversas situações mais práticas em relação às análises das empresas que chegavam para a gente. Não sei se as pessoas têm ideia da quantidade de empresas que chegam até o nosso setor mas, desde setembro, passei por mais de 500 formulários (Forma que a EqSeed utiliza para a primeira aplicação no processo seletivo) e me deparei com muitos problemas em comum.

No dia 7 de Abril, Alex Lazarow, um reconhecido investidor de Venture Capital, publicou, por meio do portal Entrepreneur, um artigo com suas opiniões sobre o modelo em que as Startups estavam caminhando, baseado em algumas metodologias que deram certo no Vale do Silício. Pensando nisso, então, resolvi correlacionar o que foi dito no artigo com algumas coisas que observei durante todo o período que venho analisando empresas pela EqSeed.

Em primeiro lugar, uma ideia citada por Lazarow é de que o capital no Vale do Silício é abundante, o que é utilizado como ferramenta no jeito unicórnio de ser. Essa abundância não é uma realidade comum à todas as empresas. Se tratando do Brasil, vejo esse ponto ainda mais evidente. Por mais que tenhamos visto uma explosão de empresas de Venture Capital, o montante de capital investido no setor ainda não é extremamente abundante em nosso país. Segundo o Crunchbase, em 2019, cerca de 4,6 bilhões de dólares foram investidos na América Latina, sendo o Brasil responsável por cerca de 50,5% desse volume (~2,32 bilhões de dólares), enquanto nos EUA e no Canadá os valores ultrapassam 30 bilhões de dólares por trimestre, ou seja, mais de 120 bilhões de dólares por ano. É exatamente nesse cenário que é defendido que as Startups se espelhem em camelos, não nos ficcionais unicórnios. Isso se justifica pois os camelos se adaptam a diversos ambientes, com climas diferentes, pouca comida e água, ainda assim, tendo disposição para correr quando mais necessário. Essa definição é tão precisa em sua ilustração que, no contexto atual, podemos ver quem são os camelos resilientes e sustentáveis para passar por esse período difícil e começar a correr quando a situação normalizar.  Alguns pontos que o autor destaca a mais sobre as Startups Camelos em seu artigo são:

 

Subsidiar seus produtos

Nas ideias defendidas por Lazarow, as Startups por terem muito capital disponível, são julgadas pelas suas bases de clientes, fazendo-os ignorar seus custos e lucratividade, oferecendo o produto por preços que não se pagam.

Na minha percepção, é até compreensível que tenha testes do seu produto de maneira gratuita ou com preço reduzido, porém, diferentemente do que muitas vezes acontece, não se pode criar uma cultura de oferecer seu produto por um preço que não faça sentido. Assim como o artigo diz, se seu produto é bom, seus consumidores não vão ser contra pagar um valor justo para utilizá-lo. Particularmente, durante meu trabalho, já vi situações parecidas diversas vezes. Posso relatar até que já vi casos em que empresas queriam validar um valuation muito acima do que entendíamos, se baseando em número de clientes na plataforma, não na operação. Obviamente que ter uma base grande de clientes é importante, mas, justamente como citado na matéria, não se pode abrir mão do modelo de negócios.

 

Gestão de Custos

Em relação aos custos, Lazarow destaca que os camelos realizam um minucioso controle, para acompanharem o crescimento da empresa. Todos os acréscimos devem ser justificados por aumento do lucro ou da operação.

No meu lado, esse é um outro ponto comum aos formulários que analiso. Não é incomum encontrar empresas que nem se quer começaram a faturar e já tem um custo elevado para se manter ou uma estrutura super complexa. Empresas simples deveriam, em sua maioria, ser simples, então, se você está gastando muito tempo com algo assim, certifique-se de ser extremamente único e inovador.

 

Levante apenas o Capital Necessário

O Venture Capital, para o autor, é uma ferramenta incrível para os empreendedores, porém, na visão da Startup Camelo, você deve levantar apenas o capital que faz sentido para a empresa. É obvio que ter dinheiro em caixa é ótimo e que abre muitas portas. No entanto, ao obter esse benefício com captações muito grandes, são ignoradas questões muito importantes para a sobrevivência da empresa. Lazarow defende que os empreendedores mantenham as maiores fatias dos seus negócios para não perder o controle do mesmo.

Talvez, dos pontos destacados, esse seja o mais comum de se ver. Por um lado, alguns empreendedores pedem um valor alto inicialmente por estratégia de negociação, não ancorando os valores muito próximos aos idealizados. É comum se deparar com empreendedores que desejam uma quantia que não faz sentido pro tamanho em que a empresa se encontra. Outro ponto também comum são as empresas que chegam para fazer um seed round ou um series A e não tem nem 50% da empresa em próprias mãos. Nesses dois cenários, acredito que é necessário balancear o equity que será cedido e a quantia de capital necessária. Até mesmo para os investidores, sendo eles anjos ou não, não é recomendado pegar metade da empresa no começo para chegar em um nível onde os donos originais do negócio estão tão diluídos que não tem mais incentivo nenhum de seguir com suas startups. Então, reitero que é fundamental que se bote na balança a necessidade de capital e o tamanho da fatia do negócio que está sendo oferecida, para que, futuramente, ainda exista participação suficiente para novos aportes de capital, que serão necessários, sem que o empreendedor fique desiludido em se tornar completamente minoritário.

 

Visão no longo prazo

A corrida não é sempre sobre quem chega primeiro, mas sim sobre quem sobrevive por mais tempo. Lazarow deixa claro que a criação e desenvolvimento de uma Startup não é uma corrida de curta distância, mas sim, uma prova de resistência. Correr muito no começo pode te prejudicar mais para frente. Por isso, para ele, a estratégia número 1 é a sobrevivência. Gerar um tempo confortável para seu produto/serviço ser moldado e encontrar uma ressonância com seus consumidores, sendo simultaneamente escalável. Importante destacar que isso não significa desconsiderar o crescimento. Só devemos lembrar sempre que não se trata de uma lógica de crescer ou morrer, como vemos muitas vezes. O maior segredo dos Camelos é que, quando necessário, eles sabem dar um passo atrás e voltar a um modelo sustentável, se preparando então para encontrar novos caminhos de crescer de forma sustentável, sem sacrificar seu fluxo de caixa. Para finalizar, Lararow cita que os camelos crescem altos percentuais quando o mercado está indo bem, e, ao mesmo tempo, estão estrategicamente gerenciadas para lidar com possíveis situações críticas.

Sobre o anseio em crescer desenfreadamente, creio que há uma relação grande com o que citei anteriormente. Em muitos casos, empreendedores deixam de considerar diversas questões fundamentais para poder trazer capital e crescer seus negócios. Em certos casos, empresas que deveriam ser simples já estão com o Cap Table extremamente confuso e com pouca participação de pessoas em full time. Consequentemente, com alto risco de deixar de existir. Esse é exatamente o modelo de crescer ou morrer que o artigo questiona. As vezes, pode fazer sentido a sua empresa escalar de forma acelerada, porém, isso não é uma regra e muito menos uma lei que te obrigue a abrir mão da saudabilidade do seu negócio. Também é fundamental lembrar que, em certas situações, dar um passo para atrás pode ser o que vai garantir que sua Startup sobreviva. Se você sentir que o caminho que está trilhando vai te levar a alguma das situações que Lazarow cita, essa pode ser a melhor estratégia para ter garantia que vai sobreviver.