Você já ouviu falar em equity crowdfunding? O conceito, que é uma alternativa para a captação de recursos financeiros por startups, permite o financiamento coletivo, por parte dos investidores, em um negócio. Dessa maneira, mais pessoas podem participar do mercado de venture capital com aportes menores e descentralizados.

Para isso, portanto, existem algumas plataformas que fazem a ponte entre o investidor e a startup. Diferente do sistema tradicional de crowdfunding, em que doa-se uma quantia sem a necessidade de um retorno financeiro, no equity crowdfunding de investimentos, o empreendedor, em troca do aporte feito pelos usuários, oferece uma participação societária em seu negócio.

A modalidade possui aval da CVM, a Comissão de Valores Mobiliários – regulador do mercado financeiro, através da instrução 588, e foi instituída no Brasil em 2017. Durante esse processo, para atender a realidade de empresas com potencial de crescimento ainda early stages, o advogado Rodrigo Nahas, especializado em startups e inovação, conta que as condições típicas de ofertas públicas reguladas, foram simplificadas possibilitando, por exemplo, a  desistência pelo investidor em 7 dias; além de restrições a confusão patrimonial entre os fundadores e a investida; a vedação da utilização dos recursos para a realização de empréstimos a terceiros, a obrigatoriedade de assinatura de ciência de se tratar de operação e elevado risco, entre outras diretrizes normativas.

Após a regulação, Nahas destaca o crescimento de plataformas de equity crowdfunding, que passou a oferecer mais segurança aos investidores, independente da experiência destes, fortalecendo a quantidade e a qualidade deste tipo de oferta no País, que podem ser feitas, portanto, em harmonia com instrumentos já consolidados no ecossistema de inovação.

Consolidando-se então no mercado de investimentos, a modalidade tem sido cada vez mais procurada para captação de recursos. De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários, durante 2019 foram captados R$ 59.043.689, um aumento de 28% em relação aos R$ 46.006.340 levantados em 2018.

Observando essa demanda e considerando que alguns pontos não estavam de acordo com as necessidades atuais das plataformas de equity crowdfunding e dos investidores, a CVM propôs, depois de três anos da regulação dessa modalidade no Brasil, a revisão para o aprimoramento de suas regras.

Rodrigo Nahas, especialista em startups e inovação

A audiência pública, que foi aberta no dia 26 de março, espera receber sugestões de participantes do mercado. Entre as novas alterações, Nahas aponta um novo limite de captação passando de R$ 5 milhões para R$ 10 milhões mantendo o prazo máximo de 180 dias.

Ainda, se aprovada nos termos sugeridos, o mecanismo abrangerá empresas emissoras, startups de base tecnológica ou não, com receita bruta anual de no máximo R$ 30 milhões. Rodrigo explica que isso permitirá a entrada de empresas mais growth stage. “A partir deste enquadramento, atrairá possivelmente mais capital, visto tratar-se de empresas mais consolidadas, em tese, do que aquelas com faturamento anual de R$ 10 milhões, o atual teto”, complementa.

“O mesmo conceito de ampliação relevante também eleva o limite por grupo econômico (grupo de empresas com sócios equivalentes ou coligados) e que pode utilizar o crowdfunding de investimento para R$ 60 milhões de receita bruta anual, cuja restrição atual é de a apenas R$ 10 milhões”, continua o advogado.

Existe também a possibilidade do aumento do investimento individual anual, que atualmente está em R$ 10 mil, ser elevado, pelo órgão regulador, para R$ 20 mil. “Neste quesito, o ponto mais relevante está na disposição que trata da plataforma poder aceitar, a critério dela, a elevação desse valor até o montante de 10% da renda anual do investidor, caso este se qualifique como detentor de renda anual superior R$ 200 mil no ano imediatamente anterior ao investimento”.

Sobre a importância dessas alterações para o desenvolvimento do mercado de capitais, Rodrigo destaca que “o fortalecimento da segurança jurídica das operações de oferta pública, sejam elas alicerçadas em qualquer instrução normativa, são basilares para a atuação da CVM. E  o aperfeiçoamento de uma instrução com  IN° 588/2017, por meio de ampliação de sua base de atuação neste momento é um marco para todos que desejam ver o Brasil no centro de venture capitalismo global”.

O Startupi conversou também com representantes das plataformas de equity crowdfunding EqSeed e StartMeUp para saber como elas operaram até aqui e o que muda a partir de agora. Confira:

EqSeed

Fundada em 2015, a plataforma possui mais de 33 mil investidores cadastrados e acumula mais de de R$ 30 milhões em investimentos captados por 24 startups.

Brian Begnoche, sócio-fundador da EqSeed, conta que as plataformas de equity crowdfunding geram novos empregos na economia, tendo assim, um papel importante no mercado. “O dinheiro investido é usado por empreendedores para contratar pessoas, assim combatendo a taxa de desemprego. Ao mesmo tempo, essas empresas fornecem melhores produtos e serviços para consumidores, com melhor atendimento e melhor preço”, destaca.

Para ele, a consulta pública da CVM mostra a maturidade, que vem crescendo expressivamente, desse mercado, além de ser bem-vinda entre os players dessa modalidade de investimento. As modificações, portanto, devem permitir o crescimento robusto do equity crodwfunding de investimentos.

Brian Begnoche, sócio-fundador da EqSeed

Sobre o aumento nos limites de captação e de faturamento anual das startups, apontadas como uma das principais mudanças, ele afirma que será benéfica. “Cada vez mais empresas vão conseguir captar via esse modelo – conseguindo realizar mais rodadas e com valores maiores”.

Atualmente, para abrir uma rodada de investimento na EqSeed, a startup deve passar um processo de seleção em que, segundo Brian é observado principalmente o quão inovadora e disruptiva a empresa é, além do potencial de exit, combinado com modelos escaláveis e bom empreendedores.

Em relação aos investidores, o empreendedor conta que o cadastro é gratuito. Assim, ao acessar a plataforma, ele tem acesso a investimentos que antes eram disponíveis apenas para investidores institucionais. Com essa modalidade, segundo Brian, o investidor mira retornos entre 5x – 100x o valor investido.

Sobre o apoio nas campanhas, ele explica que a EqSeed possui alguns processos estabelecidos, trabalhando então desde a preparação e análise até o lançamento, execução e closing da rodada.

Em 2019, a rodada média por empresa na EqSeed foi de R$ 1,7 milhão, com investimento médio por investidor de R$ 15 mil. Durante a pandemia, Brian conta que manteve captações e que estão com empresas em análise para lançar novas rodadas em breve.

Entre os cases da plataforma, o empreendedor destaca a fintech Mutual que captou R$ 4 milhões em 9 dias, tendo em sua primeira rodada um investimento individual de mais de R$ 1 milhão.

StartMeUp

A StarMeUp (SMU) foi criada ainda em 2013 com a primeira captação em 2015. Rodrigo Carneiro, CEO e cofundador da SMU, conta que a plataforma começou suas primeiras ofertas ainda com a ICVM 400 que possuía processos ainda bem travados como um baixo limite de R$ 2,4 milhões de faturamento e a necessidade de um uma pré-aprovação de todos os materiais de divulgação como posts, vídeos e pitchs pela própria CVM.

Após um tempo no mercado, Diego Perez, cofundador da SMU, junto a outros empreendedores, formou o grupo que posteriormente deu início à Associação Brasileira de Equity Crowdfunding de Investimento, atual Crowdinvest. Foi através da associação que a SMU e outras plataformas começaram a negociar com a CVM a criação da atual ICVM 588. 

“Isso nos traz uma vantagem competitiva interessante, porque a gente sabe o que a CVM queria dizer com cada uma das cláusulas e artigos que ela colocou na ICVM 588 e isso nos traz uma segurança muito grande para operar. A gente sabe o que pode e o que não pode ser feito”, destaca Rodrigo.

Ele ainda compara e divide o equity crowdfuding no Brasil em dois jogos, sendo o primeiro até julho de 2017 e o segundo dando início com a ICVM 588 que veio como um grande amparo e evolução tanto para empresas, plataformas e principalmente para os investidores que ganharam mais segurança.

Sobre a revisão da regulação do crowdfunding de investimento, ele acredita que, de uma forma geral, será algo que vai melhorar bastante. Entretanto, ele pontua algumas questões que a CVM deve levar em conta como o aumento do limites, tanto de captação de volume para valor imobiliário por CNPJ, mas também os de limites de faturamento da empresa e grupos econômicos.

“Isso vai fazer com que o crowdfunding saia de empresas mais iniciais e vá para o conhecido middle marketing. A CVM tem essa aspiração de atender o mercado de middle marketing com produtos de mercado de capitais porque hoje é um mercado que não é atendido pelo mercado de capitais. O middle marketing hoje é atendido por bancos e praticamente factorings. Então o anseio da CVM é realmente atender esse mercado”.

Ele explica portanto que a inclusão dessas middle marketing nessa modalidade possibilitará aos investidores acesso às empresas que que poderão oferecer um retorno até melhor, com fluxos de caixas mais constantes e mais estabelecidas.

Sobre o processo de captação dentro da SMU, Rodrigo conta que a empresa também atua como uma investidora das startups que compõem seu portfólio. Para isso, ela possui uma equipe ativa de hunters que participa de eventos do ecossistema de inovação atrás das melhores empresas para transformá-las em um produto de investimento que possa ser vendável. “Nosso cliente é o investidor e o nosso produto acaba sendo os investimentos que a gente escolhe”, ressalta.

Durante a seleção, uma etapa importante é o filtro baseado nos requisitos da CVM, ou seja, não pode ser MEI, precisa estar dentro do limite de faturamento permitido pela entidade, entre outros. A tese de investimento entra como próximo critério. Uma vez que a startup está cadastrada, A SMU decide qual será o valor investido por ela. Para Rodrigo, é uma forma de ter consciência do que está oferecendo dentro da plataforma, além de garantir bons investimentos aos seus clientes, que entram também como coinvestidores já que entram nas mesmas condições que a própria plataforma está ofertando para eles.

“Nosso grande objetivo não é só captar, isso é uma parte da história. O grande objetivo é fazer aquela startup dar certo, tanto que nossa principal meta são os exits”, destaca o empreendedor.

Em relação ao cadastro dos investidores dentro da plataforma, Rodrigo conta que a empresa usa Big Data e outras tecnologias para simplificar esse processo e torná-lo mais fluído, assim, alguns dados públicos por exemplo, já são automaticamente preenchidos na abertura da conta. Sobre os requisitos para uma pessoa que queira investir pela plataforma, Rodrigo diz que é preciso ter conhecimento de educação financeira ou estar disposto a aprender.

“O principal requisito é realmente esse investidor pelo menos ter uma consciência que ele vai colocar uma pequena parte do portfólio dele, que ele está fazendo uma diversificação do seu investimento e que ele deve investir em várias startups e não em uma só para poder aumentar sua chance de retorno. E quanto mais ele estudar, quanto mais ele engajar, quanto mais ele perguntar, melhor vai ser pra ele”, ressalta.

Rodrigo Carneiro, CEO e cofundador da SMU

Sobre o impacto da pandemia no mercado de equity crowdfunding de investimentos, Rodrigo compara inicialmente com uma corrida de Fórmula 1. “Todo mundo que já esteve em uma pista sabe que o importante não é frear em cima da curva, mas sim começar a acelerar antes da curva pra sair logo dela”.

Ele conta que esse foi o conceito utilizado na SMU: frearam rápido antes de chegar na curva e, observando o que estava acontecendo no cenário internacional, no começo de março fizeram um plano de reestruturação, o que possibilitou seguir sem demissões até hoje, por exemplo.

“É claro que naquelas semanas onde nós tivemos diversos circuit breakers o investimento caiu, mas depois retornou muito rápido, o que nos surpreendeu. Então, estamos em um crescimento muito próximo do nosso budget previsto para esse ano. Nosso budget era crescer 4 vezes no ano, no meio da pandemia estava 2,5, quase 3 vezes  o crescimento em relação a 2019”, revela.

Ainda durante esse período, a plataforma teve ofertas que foram abertas e concluídas entre março, maio e abril. Uma delas é a Aurratech, startup que atua no setor industrial e desenvolveu a tecnologia Fog In Place projetada para desinfecção de ambientes e superfícies de empresas e indústrias, que bateu o recorde de investimento em um único dia com R$ 600 mil tendo a Rosemberg Partners como líder.

Rodrigo também contou ao Startupi sobre uma nova captação de R$ 2 milhões de um investidor estratégico que aproximará ainda mais a empresa do mercado financeiro. Ele revela que a ideia é tornar a SMU em uma plataforma de investimentos em produtos e fintechs entregando ao investidor ofertas mais amplas. Assim, aquele investidor que tira o dinheiro, seja de uma corretora ou um banco para espalhá-lo em diversos produtos como crowdfunding de startups, crowdfunding imobiliário, investimento peer-to-peer, etc., terá a opção de aplicá-lo em uma única plataforma que oferecerá todas essas opções de forma consolidada.

“Isso vai trazer uma aproximação da SMU com distribuidoras, com outras corretoras e com bancos. Isso já vem sendo costurado com esses grandes players. É isso que a gente acredita, é isso que a gente vai buscar agora já nesse segundo semestre. Estamos capitalizados pra isso e eventualmente pode envolver até comprar de concorrentes para montar esse portfólio de novos produtos”, revela ele sem anunciar nomes.

A atual Audiência Pública aberta pela CVM para a nova regulação do equity crowdfunding de investimentos ficará aberta até 27 de julho e pretende ouvir todos os players do ecossistema de inovação que devem mandar suas manifestações no e-mail audpublicaSDM0220@cvm.gov.br.