COVID-19 e a disrupção do mercado publicitário: do modelo de negócio à formação de profissionais

 

Que a COVID-19 está obrigando o mercado publicitário a mudar de tom não é novidade. Mas a necessidade de reinvenção desse setor vem bem antes e algumas empresas estão capitaneando esse processo. No quarto episódio do podcast Na Linha de Frente, eu e Rapha Avellar, CEO da agência de publicidade Avellar, construímos uma ponte analisando a evolução necessária na forma de fazer publicidade, à medida em que a economia enfraquece devido a pandemia do novo coronavírus.

A Avellar encara esse novo momento da publicidade como uma oportunidade para repensar a configuração do mercado. Contrariando previsões de relatórios como Ad Spend 2020, que trazia um quadro positivo baseado na perspectiva do crescimento de 2,1% do PIB, cerca de oito entidades do mercado publicitário nacional enviaram ao Governo Federal um pedido formal de medidas para preservação do setor, até porque, evidentemente, a situação mudou. 

O mercado de mídia

Estamos vivendo a maior crise econômica da história e muitos setores estão sofrendo fortes perdas. Entretanto, o fundador da Avellar, explica muito bem que o arcaico modelo de publicidade brasileiro pode ganhar um legado positivo em meio ao caos. “O mercado de publicidade no Brasil tem heranças na forma que a estrutura foi montada. Grandes conglomerados que possuem milhares de funcionários e processos gigantes, possuem incapacidades que impedem de se movimentarem rápido referente a mudanças”, alega.

Nesse sentido, Rapha Avellar detalha com precisão como funciona o modelo da atual publicidade nacional. “A compra de espaço publicitário não é determinada com base no que vai mover o ponteiro de negócio, mas sim com base no rebate que irá ganhar da emissora, que vai de acordo com o volume de investimento. O Brasil e a África do Sul são os únicos países que se tem um grande conglomerado de mídia com poder desproporcional em frente a outros”, pontua.

Esse modelo impacta todo o mercado, mas, sobretudo, os pequenos e médios negócios. No cenário de pandemia, essa situação se agravou ainda mais, uma vez que os profissionais frearam suas ações como uma primeira medida de proteção. Posto isso, há uma série de alternativas em outras plataformas e mídias que já vem se revelando mais inteligentes e assertivas, especialmente no ambiente digital. 

A título de exemplo, a crise financeira de 2007-2008 alavancou o boom de investimento digital nos Estados Unidos. A faixa de investimento de proporção de mídia digital era de menos 10% durante uma das principais crises do século XXI. Naquela situação, onde inúmeros contratos foram quebrados e regras tiveram de ser reescritas, houve a necessidade da reinvenção do modelo.

Alguns números evidenciam o cenário. Em 2007, a publicidade na Web foi avaliada em US$ 36 bilhões, de acordo com a agência de marketing digital  Zenith media. Em  2008 houve um crescimento de 20% e, em 2010,  os gastos com anúncios on-line chegaram a para US$ 61.  

Mas como fazer um investimento em marketing durante a pandemia? Qual a forma correta de se posicionar neste cenário tão ímpar?

O comportamento observado no Brasil tem sido mais intenso. Os CPM’s (custos por mil impressões) caíram para mais de 50% e as empresas estão conseguindo fazer as mesmas coisas com a metade do dinheiro. Mas, se por um lado o processo segue otimizado, pois a taxas de clique permanecem, na ponta da compra, a conta não fecha, já que os consumidores estão deixando de adquirir por conta do cenário.

Novo posicionamento das empresas

Mas se a performance sofre, o branding se fortalece. Para Avellar, o momento não é de foco nas vendas de curto prazo, mas sim de as marcas se provocarem sobre como elas podem se conectar com o momento do mundo.

Grandes empresas têm se posicionado de uma maneira positiva. A gigante Ambev, por exemplo, tem revertido operações de cerveja para produzir álcool-gel. “Independente do setor que você atua, há uma forma genuína de se posicionar sobre o assunto”, garante Rapha Avellar.

Outra estratégia que vem sendo implementada pelas empresas é o investimento em crescimento de base objetivando o retorno de investimento (ROI), mais à frente. O racional é que, uma vez  que as taxas de conversão diminuíram, mas a publicidade também reduziu seu custo,  a hora é de fortalecer e crescer e a base de clientes. Nesse sentido, o trabalho consiste em  manter um relacionamento próximo, pensar em como nutrí-los  tendo como base conteúdo relevante para a situação. 

Adicionalmente, a palavra utilidade tornou-se imperativa para as marcas e sua importância foi acelerada por conta do COVID. Um livro que evidencia esse conceito de forma bem interessante é o Youtility, de Jay Baer. Entre outros pontos,  a obra relata diversos cases de empresas que desenvolveram produtos/serviços pensando em como se posicionarem de forma útil para além da venda. De maneira resumida, a ideia central é ser útil, ganhar a confiança do cliente e converter à medida que o cenário melhorar.

A nova gestão

Outro ponto destacado na entrevista é retomada: novos hábitos virão após a volta gradativa à normalidade, inclusive a mudança de mindset, que contempla uma mudança real no modo de fazer o marketing. 

Neste contexto, uma mudança que já vinha acontecendo pontualmente, deve ganhar escala: trata-se do modelo de gestão do negócio e do perfil do profissional. “Aqui na Avellar, por exemplo, somos uma empresa partnership, que funciona como estrutura societária meritocrática, que vai para quem está entregando mais. O colaborador pode até se tornar sócio. É um sistema que alinha interesses para o longo prazo”, explica. 

Na prática, partnership é um modelo de sociedade por meio do qual os funcionários mais estratégicos e com resultados mais consistentes são convidados a comprarem participação na empresa. Se não tiverem capital na oportunidade, a empresa empresta o dinheiro para os novos sócios, que pagam a dívida no futuro. A ideia, evidentemente, é que a empresa escale num patamar que valha o investimento inicial. 

Um exemplo disso clássico é o da XP. A empresa foi fundada em 2001 por quatro sócios, com cerca de R$ 15 mil em capital. Em 2017, a empresa consolidou a venda de 49,9% das ações por R$ 6,3 bilhões. Já pensou se você tivesse investido em  1% da empresa na época da sua fundação? Essa é a ideia do modelo de partnership. 

Vale lembrar, porém, que apesar de ter sido muito popularizado pela XP Investimentos, a empresa se inspirou no projeto pioneiro aplicado pela AMBEV e pela Escola de Negócios de Jorge Paulo Leman. 

Como se preparar profissionalmente

Por fim, Rapha faz uma avaliação acerca da formação dos profissionais de marketing de uma forma geral. Segundo o executivo, o mundo está evoluindo numa velocidade que as faculdades simplesmente não acompanham. “Pense em uma pessoa que entrou na faculdade em 2017 e saiu em 2020. Tik Tok não existia, ninguém ouvia podcast, ninguém tinha feito uma live no facebook com mais de 30 mil pessoas. A pessoa chega em um mundo completamente diferente”, pondera.

Avellar acrescenta ainda que agora está produzindo cursos mais rápidos, não só para o público interno, mas também para o externo. “Notamos que tínhamos de treinar quase 40% dos nossos novos contratados porque eles não estavam prontos. Cogitamos que a dor poderia não ser só nossa. Validamos e comprovamos. Agora estamos disponibilizando cursos mais rápidos, voltados à aplicabilidade prática, à aprendizagem colaborativa conectando os profissionais às inovações de fora, já que elas ocorrem primeiro ali”, detalha. 

O executivo entende de modo geral que a formação ainda tem uma abordagem muito teórica, longa e desconectada da realidade prática. “Se você quer resolver esse problema,  os cursos precisam ser de curta duração, senão o conhecimento prático que adquirido se torna inútil.  A teoria é importante, é claro, mas a ordem do novo mundo é ser guiado pela aplicabilidade prática”, pontua.

Outra evidência do raciocínio proposto por Avellar é o boom do modelo de ensino a distância. (EAD). Para citar alguns exemplos, a plataforma de cursos online Coursera recebeu US$ 103 milhões em apenas uma rodad . Com o aporte, o valor de mercado da edtech ultrapassou US$ 1 bilhão. 

Já a conceituada Singularity University, por meio de uma parceria com a  HSM, também está oferecendo aos brasileiros acesso ao portfólio de cursos. No site da companhia, a empresa afirma que “ao analisar as principais lacunas do Brasil (educação, saúde, segurança pública e infraestrutura) e as principais oportunidades do Brasil (alimentação, energia, meio ambiente e finanças), a SingularityU Brasil nasce para ajudar o Brasil a saltar para o mundo exponencial, e contribuir ainda mais com o empoderamento dos líderes”.

Resumidamente, o fato é que a formação de nossos profissionais também está em constante transformação. E gerando novos e revolucionários negócios.

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