Difícil encontrar outra expressão que tenha dominado tanto as conversas sobre tecnologia e investimentos como Inteligência Artificial (IA).

No contexto LatAm, já temos pesquisas mostrando que 87% das startups utilizam IA (SaaSholic/AWS). No recorte Brasil, o ritmo segue igual com 81% das empresas brasileiras implementando AI Agents em clouds como AWS, Azure e Google Cloud (Distrito).

Só em 2024, o investimento global em startups de IA ultrapassou a marca de US$100 bilhões, representando um crescimento significativo em relação ao ano anterior.

O que me chama a atenção, no entanto, é outro ponto. À medida que o entusiasmo cresce, também cresce a necessidade de um olhar mais criterioso. Digo isso com a experiência de quem já viu ondas tecnológicas irem e virem, algumas deixando valor, outras apenas promessas.

A presença de “IA” num pitch não garante que estejamos diante de uma empresa genuinamente tecnológica, muito menos de uma boa oportunidade de investimento.

É aquela velha história (que vale para qualquer investimento): investir sem entender a fundo o modelo de negócio e a tecnologia que o sustenta é repetir erros de ciclos anteriores, em que houve muita promessa para pouca entrega.

Wrappers bonitos não são tecnologia

Trazendo essa conversa para o campo mais técnico, vemos empresas que se apresentam como disruptivas por utilizarem IA, mas que, na prática, funcionam como embalagens sofisticadas sobre APIs públicas dos grandes modelos de linguagem.

Criam interfaces elegantes, experiências de uso bem desenhadas, apresentam ganhos de produtividade. Mas, por baixo do capô, estão os mesmos motores acessíveis a qualquer equipe com um servidor na nuvem e conhecimento básico em prompt engineering.

Cá entre nós, uma interface bonita sobre uma API pública não é, por si só, uma vantagem tecnológica. Pode resolver um problema pontual, sim, mas não cria as defesas necessárias para sustentar um negócio relevante no longo prazo.

Pense numa startup que usa o ChatGPT para automatizar atendimento. Ela pode ser eficiente? Com toda a certeza! Mas, sob a ótica de barreira de entrada, falta o que diferencia tecnologia de interface.

Não se trata mais de perguntar se a startup usa IA, e sim como ela usa. E claro, se isso gera, de fato, valor e diferenciação no mercado.

Nativos vs. Transformados

Usar Inteligência Artificial é uma coisa. Construir uma empresa com IA no centro da proposta, desde o primeiro dia, é outra bem diferente. 

Startups com esse DNA são chamadas de AI-first, aquelas que tratam a IA como parte estrutural do produto, não como um complemento ou funcionalidade acessória. E, apesar do crescimento no número de empresas com essa abordagem, elas ainda representam uma parcela pequena do total.

É olhando para o ano de fundação que a diferença fica mais evidente. Entre as startups criadas a partir de 2023, mais de 60% já nascem com IA no núcleo do negócio, enquanto entre as fundadas antes disso, essa proporção é significativamente menor.

Isso reforça o que tenho visto com certa frequência. É mais fácil nascer nativo de IA do que se transformar numa empresa orientada por ela.

É como aprender um idioma. Quem cresce imerso nele desenvolve fluência natural. Quem começa mais tarde precisa de uma pitada a mais de intencionalidade.

Mesmo entre empresas maiores, a adoção de IA ainda é um processo em andamento para muitas delas.

Seriam os AI Agents a próxima fronteira?

A ascensão dos AI Agents traz tanto entusiasmo quanto sinais de alerta. O relatório AI Agents Report 2025, do Distrito, mostra que 74% das empresas já testaram essas soluções em aplicações práticas, e 67% as utilizam ativamente (ainda que em fases iniciais, como pilotos ou áreas específicas).

Não são aqueles assistentes simples de anos atrás. São sistemas com autonomia para realizar tarefas a partir de comandos de texto ou sensores, combinando tecnologias como aprendizado por reforço e RAG (Retrieval Augmented Generation).

A promessa é grande. Mas é legal respirar fundo antes de se deixar levar por demos polidas e jargões técnicos. Apesar dos ganhos, o desafio continua sendo transformar adoção em produtividade de verdade.

A McKinsey e o Wall Street Journal mostraram que, mesmo com a expansão da IA, a produtividade agregada ainda não deu o salto esperado. O potencial, entretanto, é inegável.

IA e Startups: Para você que é investidor, 5 perguntas que realmente importam

“E na hora de investir? Como é que faço?” — bom, antes de se entusiasmar com um pitch que menciona “IA” dez vezes no primeiro slide, vale parar e pensar no seguinte.

1. A startup tem acesso a dados proprietários?

A IA é tão boa quanto os dados que a alimentam. Uma startup de saúde com acesso a milhões de prontuários anonimizados, por exemplo, tem um diferencial que uma API pública dificilmente replicaria.

2. A IA está no centro da proposta de valor?

Ela é parte estrutural do produto ou só um enfeite? Se tirar a camada de IA e o produto continuar de pé, é sinal de que a tecnologia não é o motor principal.

3. O time fundador domina a tecnologia?

Startups que dependem 100% de terceiros ficam vulneráveis — e eu já vi empresas travarem porque a API que usavam mudou os termos ou o preço.

4. Há barreiras reais contra a concorrência?

A empresa está construindo algo que não pode ser facilmente replicado? Pode ser um algoritmo próprio, efeitos de rede ou domínio profundo de um nicho.

Exemplos de quem está no caminho certo já aparecem por aqui.

A Tractian, por exemplo, não apenas analisa dados industriais com IA. Ela construiu um sistema próprio que aprende com cada máquina monitorada, criando um ciclo de dados e melhorias contínuas.

A Titanium Ventures também. Em vez de buscar IA pela moda, a utiliza para ganhar vantagem dentro da própria tese de investimento, identificando padrões antes que os mercados percebam.

É aí que mora a verdadeira fronteira da inovação. Não em usar IA “tão somente por isso”, mas em transformar essa tecnologia em algo que ninguém mais pode copiar.