Hoje, startup é sinônimo de inovação e tecnologia. Mas apesar de ser um tema cada vez mais presente no mercado de investimentos, ainda percebo um certo ruído quando deixamos de lado o entusiasmo do hype tech e levamos a discussão para outro patamar: startups como classe de ativo.

O termo se popularizou, sem dúvida. Mas será que o entendimento do potencial de startups como produto de investimento amadureceu na mesma medida?

Para dar sequência à série de reflexões sobre esse universo, vamos olhar para o ecossistema com mais profundidade. Não como quem busca um mapa com itinerários prontos, mas como quem entende que o sucesso de uma startup depende, entre outros fatores, da qualidade do capital investido, da sofisticação da tese e da capacidade de transformar tecnologia em soluções para mercados cada vez mais complexos.

O atual cenário das startups brasileiras

Apesar de todos os desafios macroeconômicos, o ecossistema de startups brasileiro tem vivido um padrão interessante nos últimos meses. Em 2024, foram R$13,9 bilhões captados (crescimento de 50% em comparação com 2023). O número impressiona, só que o mais relevante não é o salto, mas a qualidade do que está sendo construído: rodadas maiores, fundos globais mais presentes e aportes indo para empresas com soluções mais robustas, times mais experientes e visões cada vez mais ambiciosas.

A rodada da Tractian, em novembro do ano passado, é um exemplo disso. Captando R$ 700 milhões com investidores como Sapphire Ventures e General Catalise, a startup mostrou que a tecnologia de dentro de casa já não precisa ser adaptada apenas ao Brasil. Ela pode, e deve, ser exportada.

E esse não foi um caso isolado. O relatório Startup Landscape 2024, da Liga Ventures, mostrou que o último trimestre de 2024 foi o mais expressivo em volume investido, com R$5,05 bilhões. Em outras palavras, mesmo num ambiente de maior seletividade, o capital não parou de circular. Ele só mudou de direção e passou a fluir com mais critério.

Um segundo dado que fala muito sobre o momento do mercado é o número de aquisições. Foram 132 startups adquiridas em 2024, um recorde acima até dos números de 2021, mundialmente conhecido como “o ano fora da curva” — posso falar mais sobre isso num outro artigo.

Para quem acompanha o mercado de perto, esse dado é importante pois ilustra a robustez das startups brasileiras, que vêm mostrando um forte potencial para aquisição. Para quem investe, isso muda completamente o jogo porque é nesse momento que o capital retorna. É quando a tese se prova, não no pitch, mas no exit da empresa.

Tecnologia não é mais diferencial, é fundamento

Um outro aspecto interessante para se analisar é como a tecnologia deixou de ser “tema” e passou a ser estrutura. Das startups ativas no país, 741 utilizam IA em suas soluções. Juntas, elas captaram R$ 5,8 bilhões em 2024, o equivalente a 42% de todo o montante investido.

Mas é importante fazer uma distinção: embora o número de empresas que se dizem baseadas em IA cresça rapidamente, nem todas estão, de fato, entregando inovação. Muitas vezes, o uso de inteligência artificial se resume à integração simples com ferramentas prontas, sem qualquer propriedade intelectual ou diferencial competitivo. A tendência é que os próximos anos deixem claro quem está aplicando IA de forma estruturada e quem apenas a utilizou como buzzword para inflar o valuation.

Falando em modelo de negócios, hoje, 58% das startups brasileiras atuam no B2B. Ou seja, não estão criando apenas produtos, mas infraestruturas para outras empresas crescerem também. Na verdade, já faz tempo que o Brasil deixou de ser só um bom lugar para testar ideias e passou a ser um terreno fértil para construir teses, validar modelos e gerar retorno.

Não somos o Vale do Silício, mas isso pode ser uma vantagem

Quando olhamos para os grandes hubs de inovação no globo, como Estados Unidos, Europa, China, Israel e Índia, a primeira constatação é que o Brasil ainda opera numa escala menor. E não há surpresa nisso porque se trata do reflexo direto da maturidade dos ecossistemas, da disponibilidade de capital e, sobretudo, do histórico institucional desses países com inovação e empreendedorismo.

Nos EUA, por exemplo, o venture capital é parte da cultura de negócios desde os anos 1950. Há décadas se investe, se perde e se ganha dinheiro com startups, o que gerou uma base sólida de aprendizado, ciclos de IPOs, M&As recorrentes e uma cadeia de investidores experientes. O mesmo vale, com suas peculiaridades, para ecossistemas como o de Israel, altamente tecnológico e com forte apoio governamental, e para a China, onde o capital estatal e privado impulsiona plataformas gigantescas em pouquíssimo tempo.

Na Europa, a sofisticação regulatória e a estabilidade jurídica criaram um ambiente propício ao surgimento de unicórnios mais “cuidadosos”, com tração sólida e teses defensáveis. A Índia, por sua vez, surpreendeu o mundo ao criar, em poucos anos, um ecossistema vibrante apoiado por uma combinação de mercado interno massivo e digitalização acelerada.

O Brasil, nesse cenário, ainda representa uma fronteira. Mas uma fronteira com atributos muito próprios.

Temos um mercado interno robusto, uma população hiperconectada e uma série de ineficiências que, paradoxalmente, criam oportunidades para inovação. Não à toa, fundos estrangeiros seguem aportando capital por aqui e muitas vezes com maior expectativa de retorno do que nos mercados maduros, justamente pela assimetria de risco.

É verdade que o Brasil ainda não é o país que mais recebe investimento no mundo. Mas estamos no radar e, principalmente, ganhando protagonismo em segmentos nos quais temos vantagens estruturais. Fintechs, agtechs e healthtechs são apenas alguns exemplos de setores que temos ajudado a moldar.

Startups realmente precisam de muito investimento?

Depende. E a resposta, aqui, vai além da superficial dicotomia entre “grandes ideias” e “grandes cheques”.

Há modelos de negócios que, naturalmente, exigem mais capital — o que chamamos de capital intensive. É o caso de healthtechs com hardwares complexos, plataformas de logística com operação pesada ou empresas que precisam de um ciclo longo de P&D antes de validar a primeira versão do produto.

Por outro lado, modelos mais leves, como SaaS, podem chegar à fase de tração com menos capital desde que bem construídos. Mas é importante fazer um contraponto: o capital, nesse contexto, não é apenas dinheiro. É tempo.

Tempo comprado para testar hipóteses, escalar aprendizado, ajustar o produto e acelerar antes que a concorrência reaja.

Muitos empreendedores subestimam isso. E muitos investidores, também. Mas startups não crescem porque são brilhantes, mas sim porque aprendem rápido, iteram com agilidade e sabem onde o mercado vai estar antes que ele chegue lá. E esse processo custa.

Investimento, aqui, não é prêmio. É combustível.

Quais são as formas de financiar uma startup?

Existe um mito de que todo bom negócio começa com um investidor por trás. Mas a maioria das boas startups começa, mesmo, com o bolso do próprio fundador. Bootstrap, como se chama, é quando a empresa é financiada com recursos próprios, geralmente até o MVP ou o início das primeiras vendas.

A partir daí, a jornada pode tomar vários caminhos:

  • Investimento anjo, geralmente feito por pessoas físicas com experiência no setor;
  • Aceleradoras, que oferecem capital e apoio em troca de participação;
  • Plataformas de investimento, que democratizam o acesso ao capital e conectam startups a uma base de investidores qualificados;
  • Fundos de venture capital, que entram em rodadas seed, série A, B, C… dependendo do estágio da empresa;
  • Venture Debt, Corporate Venture Capital e subvenções públicas (como FINEP e BNDES), que entram como instrumentos complementares ou alternativos ao equity.

O ponto aqui não é apenas mapear as opções, mas entender que cada formato carrega expectativas distintas de retorno, governança e prazo. E, para o investidor, isso é fundamental. Nem todo capital serve para todo modelo e nem todo modelo vai absorver bem qualquer tipo de capital.

A boa notícia é que o Brasil já conta com um ecossistema plural de financiamento. E isso abre espaço para diferentes perfis de investidores, desde institucionais até pessoas físicas.

Por que investir em startups?

Essa é uma classe de ativo que exige paciência, tolerância ao risco e uma compreensão refinada do timing. Mas, em troca, oferece o que poucas classes conseguem entregar: acesso a crescimento exponencial, a grandes negócios em construção e a teses que, se bem executadas, podem multiplicar dezenas (ou centenas) de vezes o capital investido.

Enquanto ativos tradicionais entregam maior previsibilidade, startups oferecem potencial de multiplicação. E é justamente por isso que elas vêm ocupando espaço em portfólios mais sofisticados, que já compreenderam que diversificação não se faz apenas entre renda fixa e renda variável, mas entre modelos de risco e horizontes de retorno.

No artigo anterior, mencionei alguns casos:

  • O investimento da Sequoia no WhatsApp, que retornou 50x o valor aportado;
  • Os investidores de varejo que aportaram £1.000 na Revolut e viram esse valor virar £400.000;
  • E o crescimento de plataformas como a EqSeed, que possibilitam que esse tipo de ativo chegue a investidores qualificados no Brasil de forma regulada, transparente e 100% online.

Claro, nem toda startup chegará lá. Algumas sequer chegarão ao breakeven. Mas o retorno, nesse mercado, não vem da média. Vem dos outliers.

E é por isso que eventos de liquidez, como aquisições (M&A), IPOs e até iniciativas como o mercado secundário tokenizado em desenvolvimento pela B3, são tão relevantes. 

Como investir em startups: um miniguia para começar

Se você chegou até aqui e pensa em dar os primeiros passos como investidor de startups, vale olhar para a prática com a mesma seriedade com que se olha para qualquer decisão de alocação de portfólio.

Hoje, é possível investir de três formas principais:

  1. Investimento direto, quando o investidor se conecta com a startup por meio da própria rede;
  2. Plataformas de investimento que selecionam, estruturam e disponibilizam oportunidades reguladas pela CVM;
  3. Fundos de venture capital, que concentram a gestão do portfólio em gestoras especializadas.

Cada modelo tem suas particularidades, sendo importante entender como isso impacta a governança, o grau de envolvimento e, principalmente, o horizonte de retorno.

Mas o mais importante, talvez, seja entender o que avaliar numa startup antes de investir:

  1. O modelo de negócios é replicável e escalável?
  2. O time fundador tem experiência e boa capacidade de execução?
  3. A tese está alinhada com tendências estruturais e não apenas modismos?
  4. Há sinais de tração, como clientes, receita ou base ativa?
  5. O mercado-alvo é grande o suficiente para justificar um múltiplo relevante?

Além disso, é legal compreender alguns conceitos técnicos:

  • Valuation, que define o valor da empresa antes do aporte.
  • Diluição, que ocorre quando novas rodadas reduzem a porcentagem de participação anterior.
  • Captable, que mostra a estrutura societária da empresa e sua distribuição entre fundadores, investidores e colaboradores.

Esses são detalhes que parecem técnicos (e de fato são), mas que fazem toda a diferença na construção de um portfólio sólido e coerente com sua estratégia.

Investir em startups não é sobre apostar. É sobre entender o estágio, ler o mercado e reconhecer a simetria entre risco e retorno.

Capital, crescimento e a arte de construir futuros

Investir em startups é, antes de tudo, uma forma de participar da construção de uma nova economia.

É fácil olhar para um unicórnio e imaginar que o sucesso era inevitável. Difícil é identificar, lá no início, a combinação certa entre tese, equipe e timing — e colocar capital onde, naquele momento, só existia visão.

E num país como o Brasil, onde as ineficiências criam oportunidades para a inovação responder a questões reais, essa dinâmica se torna ainda mais potente. Estamos, enfim, construindo um ecossistema que não depende mais de euforia para funcionar. Mas de educação financeira, tecnologia e regulamentação específica.

Até o próximo artigo!