De acordo com o SPC Brasil, mais de 60 milhões de consumidores estão registrados em cadastros de inadimplência no país

Milhares de empresas pelo Brasil perdem tempo e dinheiro tentando negociar com clientes inadimplentes. Essa é uma realidade que se estende por todo o território nacional — e os números provam isso.

De acordo com o SPC Brasil, mais de 60 milhões de consumidores estão registrados em cadastros de inadimplência no país. Dentre eles, cerca de 60% afirmam possuir dívidas com mais de uma empresa.

Isso nos coloca em um dos últimos lugares do mundo em taxa de recuperação de crédito, segundo pesquisa do Banco Mundial: aproximadamente 13%. Em termos monetários, a média de dívida para cada brasileiro que se encontra nessa situação é de R$1.512. O resultado do somatório chega a R$600 bilhões.

Essa realidade também afeta a taxa de juros de empréstimos no país, que é uma das maiores do mundo. No ano passado, mesmo com redução, ainda ficamos em 10º lugar entre as maiores taxas de juro nominal e 8º lugar em juro real, em um ranking composto por 40 países. A inadimplência influencia porque faz com que os bancos já se preparem para ela, cobrando nos juros a diferença para evitar desfalques.

Não é à toa que muitas empresas atuem de forma parecida, dependendo da Provisão para Devedores Duvidosos (PDD) para evitar quebras consideráveis no caixa. Torna-se fundamental separar um valor prévio para cobrir um nível de inadimplência que ainda nem aconteceu, mas pode colocar todas as contas no vermelho se acontecer.

Ainda que seja um problema significativo, os números não parecem melhorar com os esforços de empresas tradicionais de cobrança. A explicação não está no desinteresse do consumidor: 72,3% dos devedores tentam negociar as contas em atraso, conforme o SPC, e apenas 1,2% não tem pretensão alguma de resolver a questão.

Ao mesmo tempo, o meio mais utilizado para a negociação é o telefone, seguido da conversa pessoal. Ou seja, se as pessoas querem limpar seus nomes e as cobranças estão sendo feitas, é possível que o impeditivo seja o meio.

É nesse cenário que surge o uso estratégico de soluções tecnológicas para reduzir a inadimplência de forma eficaz.

 

Background tecnológico

Ao longo dos últimos anos, algumas plataformas de cobranças com novas técnicas surgiram ao redor do mundo. Foi o caso da TrueAccord e da InDebted, por exemplo.

As principais novidades que elas trouxeram ao mercado foram a facilidade de contato do consumidor para negociação (diretamente por aplicativos ou chats) e uma mudança no atendimento, que trouxe mais empatia e atenção caso a caso.

No Brasil, também tivemos exemplos de sucesso. Vale mencionar os exits da Meu Acerto e principalmente da Credigy, adquirida no final de 2020 pela MGC Holding, que depois da aquisição se tornou a terceira maior em recuperação de ativos.

Estão sendo criados cada vez mais recursos úteis tanto para o cliente quanto para a empresa receptora. São plataformas com áreas dedicadas ao histórico de acordos, ou mesmo com direcionamento para atendimento via WhatsApp ou chatbot. Os chats atuais utilizam inteligência artificial para fazer a triagem dos atendimentos e, dependendo do caso, fechar acordos de forma automatizada.

Esse tipo de atuação online corta a necessidade do contato por telefone, o que altera algo que não estava surtindo grandes resultados e também reduz custos, visto que call centers exigem bastante investimento.

Resumidamente, tecnologias digitais fazem muita diferença. Veja como algumas delas funcionam:

  • O uso de Data Science aprimora a comunicação a partir de dados da base de clientes inadimplentes de cada empresa;
  • Os algoritmos de otimização possibilitam ofertas atraentes com descontos automatizados;
  • O machine learning permite que a IA aprenda a cada ciclo de cobrança e melhore cada vez mais no contato e na otimização;

É claro que a digitalização por si só já é uma vantagem — mais de 40% dos entrevistados pelo SPC, dos que utilizaram plataformas virtuais, concluíram as negociações e não procuraram nenhum outro meio. Ainda assim, com números tão impactantes como os que vimos no começo do post, é importante que existam outros esforços para conter o problema.

 

Abordagens variadas aumentam as chances de sucesso na inadimplência

Fazer uma diferenciação entre atendimentos é parte importante de um processo de comunicação agradável. Grupos de inadimplentes requerem abordagens distintas.  O que os separa pode ser o aging da dívida, ou seja, o tempo desde que o cliente deixou de pagar; ou a presença digital do cliente, que talvez se mostre mais ou menos aberto à abordagem digital.

O consumidor que atrasa um pagamento em determinado mês, mas é fidelizado, não deveria receber a mesma ligação que o consumidor com uma dívida longínqua. Algumas aproximações podem parecer mais agressivas dependendo do perfil do público — e o propósito deve ser sempre tornar o contato não-invasivo.

Para identificar qual abordagem é mais apropriada, o primeiro passo é analisar o perfil do inadimplente. De acordo com pesquisa realizada pela Boa Vista, 33% dos entrevistados apontam o desemprego como razão para restrição, e 23% apontam diminuição de renda. Já outro estudo, da SPC Brasil, mostra o perfil comportamental e indica uma postura imediatista, com 23% admitindo ceder aos desejos de consumo mesmo quando excedem o orçamento. Há, ainda, o interesse por diferentes canais de comunicação para negociação da dívida, como os digitais, e os problemas enfrentados em cada um, conforme essa análise da Efic Soluções.

Essas diferentes razões e formas de lidar com a inadimplência ajudam a posicionar o cliente em um dos quatro perfis mais comuns de inadimplentes: o viciado, o ocasional, o negligente e o mau pagador. Cada um exige abordagens diferentes, como explica o advogado Gilberto Bento Jr.

O devedor viciado, por exemplo, costuma deixar de pagar por falta de planejamento, mas quita a dívida a partir de uma negociação simples e rápida. Já o mau pagador não se sente pressionado e não dá muita atenção às cobranças, o que pode exigir interferência jurídica.

São situações bem diferentes e não faz sentido que esses diversos perfis respondam da mesma maneira à uma abordagem única. Por isso, a melhor maneira de chegar a um resultado é avaliando caso a caso e identificando os padrões entre seus clientes.

Projeção de crescimento do mercado

O sucesso das diversas plataformas virtuais já está provando que as soluções estratégicas com base em tecnologia vêm dando certo. A partir da análise de perfil, os resultados se tornam ainda melhores.

Vale mencionar, também, que os fundos de crédito privado já demonstram uma boa recuperação depois das quedas provocadas pela incerteza da pandemia. Como credores têm prioridade em relação a acionistas, o investimento em crédito atualmente oferece uma boa perspectiva.

Esse é só mais um ponto que mostra a potencialidade desse mercado. Resumindo os tópicos tratados até aqui:

  • O cenário brasileiro de inadimplência acumula dívidas de R$600 bilhões;
  • Os devedores demonstram interesse em negociar, mas enfrentam dificuldades com os modelos de cobrança atuais;
  • Diversas empresas ao redor do mundo estão expandindo o uso da tecnologia para dialogar com os devedores;
  • A análise de perfil dos inadimplentes ajuda a orientar a comunicação e customizá-la com os novos canais tecnológicos.

Portanto, há um grande potencial de crescimento na área. Não falta muito para que o Brasil use ainda mais plataformas digitais de cobrança, com novas técnicas e meios para minar a inadimplência. A ajuda da tecnologia é o que, muito provavelmente, mudará a realidade atual de recuperação de crédito.