O que está acontecendo e as tendências na Indústria Gamer


No sexto episódio do podcast Na Linha de Frente
, entrevistei o Fernando Campos, CEO da Nuuvem, considerada atualmente a maior loja online de jogos de computador da América Latina. Entre outros pontos, os executivos conversam sobre os impactos da crise do COVID-19 no setor, sua rivalidade com grandes plataformas como a Netflix,  o boom da indústria gamer e  a relação entre Esports e empresas de broadcasting.

É claro que as políticas de isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus e seus efeitos no mercado foram destaque na conversa. O atual cenário afetou diretamente todas as indústrias, de modo que o segmento de jogos também sentiu. Mas, se por um lado o segmento tem sofrido com cancelamentos de eventos importantes, como a famosa E3; e com o atraso na  produção de jogos e em lançamentos, na outra ponta, a indústria de games está vendo suas vendas decolarem.  

Para se ter uma ideia da força dessa indústria, na América Latina, principal atuação da Nuuvem, registra-se um crescimento anual de 20%, o equivalente a US$ 4.1 bilhões. Durante o pico do COVID-19, notou-se um crescimento de 24%. A própria Nuvem registrou o dobro de vendas. 

Já o site não-oficial SteamBD revelou que a loja digital Steam bateu recorde de jogadores simultâneos no mês de março. Foi a primeira vez que o Steam alcançou mais de 20 milhões de usuários on-line ao mesmo tempo; quase 6,4 milhões deles estavam jogando ativamente um game. O recorde anterior era de 19 milhões e foi alcançado há pouco mais de um mês, o que comprova que o setor já vem forte e, com a crise, se fortaleceu ainda mais. Nesse sentido, a se considerar que os estabelecimento seguem fechados, é possível que novos recordes se apresentam nas próximas semanas. 

Soma-se a esses fatos de curto prazo os números astronômicos do setor: a receita total da indústria dos jogos foi de US$ 120 bilhões em 2019, acumulando atualmente cerca de três bilhões de jogadores no mundo. Atualmente, a indústria gamer é maior que a de música e filme somadas, dado que normalmente surpreende quem ainda não conhece a fundo o segmento e o como ele vem crescendo. 

Todos esses indicadores levaram gigantes do entretenimento, como a Netflix, a apontar a indústria dos games como principal concorrente. E não é para menos: a título de exemplo, o rapper Travis Scott ousou ao escolher o jogo Fortnite para promover seu álbum Astroworld (2018) com um show ao vivo que marcou mais de 12 milhões de espectadores dentro do game.

Existem diversas razões para a preocupação da NetFlix. Primeiramente, há de se levar em consideração que existem jogos que a maior parte dos jogos duram de 10 a 15 horas e alguns deles chegam a durar 100 horas, ocupando completamente o tempo do indivíduo. Além disso, até 2025 é esperado existam mais pessoas assistindo outras pessoas jogarem do que de fato jogando. Não é à toa que Amazon comprou a Twitch, plataforma on-line de vídeos usada para a exibição ao vivo de partidas de games, em 2014, por US$ 970 milhões.

 

A variação de mercados da indústria: o segmento de  e-Sports

Na esteira do boom da indústria game e de seu potencial como evento e entretenimento não apenas para quem joga, mas para quem assiste, surgem os e-Sports (esportes eletrônicos), um dos segmentos que vêm ganhando cada vez mais valor de mercado. Fernando Campos retrata um desdobramento interessante acerca do tema. “O e-Sports não é somente sobre o jogo em si, mas pode ser considerado um business de broadcasting. Atualmente, é possível assistir um campeonato de jogos até mesmo em canais de esportes como a ESPN. O acesso é muito simples. Você clica e está assistindo a live com a mesma qualidade que esperaria assistir um jogo do brasileirão”, explica. 

Para o executivo, o contexto do isolamento social é  uma oportunidade para importantes testes a fim de tornar o modelo do e-Sports mais sustentável e independente de apenas um patrocinador.  Isso porque as pessoas estão mais em casa e pré-dispostas a consumir conteúdo de qualidade. Para se ter uma ideia do interesse das pessoas por esse tipo de entretenimento, a TV ESPN já transmite campeonatos do jogo de futebol FIFA. 

“O momento do COVID-19 traz duas pontas importantes de aprendizado. Na ponta do streaming e broadcasting, nota-se que a dinâmica é completamente diferente da transmissão popularmente conhecida. O público tem dobrado e as pessoas estão consumindo e-Sports como nunca antes. Já na ponta da indústria do e-Sports, há a necessidade de preparação para suprir essa demanda e aprender novos modelos de negócio para um mercado tão diferenciado”.

Mais profundamente, é importante entender a natureza dos os e-sports. Acerca do modelo de negócio, esse setor está mais próximo aos eventos de broadcasting do que propriamente da indústria game. A trava aqui é que há um dono do esporte, que é o jogo. É como se houvesse um dono do esporte basquete. Por essa razão, os eventos de e-sports ainda são muito dependentes de patrocínio, mas de certo, essa é uma objeção que tende a ser superada ao longo do caminho. 

 

Novos modelos de negócios: Subscription

Outra evolução originada pelo boom da indústria de games é a atual cultura de Subscription, modelo que o consumidor paga para acessar uma plataforma – como Hulu, Netflix, Disney+, entre outras. Além disso, o subscription para jogos é muito diferente de plataformas de conteúdos lineares, que basicamente significa um conteúdo estático. 

O replayability em um conteúdo linear é muito baixo, pois uma vez que você acaba um episódio você segue para o outro e quando termina, perde o interesse. No jogo, é o oposto. Existem várias formas de se jogar, vários níveis de dificuldade e interação. Se você questionar a um jogador que jogo ele está jogando, nunca vai ouvir um número maior do que três, talvez cinco jogos no mês. O questionamento do usuário é se vale a pena eu pagar mensalmente por isso.

A razão desse questionamento é simples: para que ele vai pagar uma plataforma se ele está focado em apenas um jogo?

Na ponta das publishers, que são as empresas desenvolvedoras e que disponibilizam esses jogos, a duvida é semelhante, já que, aparentemente, não se trata de um modelo rentável. E pela mesma razão.

No caso de uma plataforma como o netflix, o usuário paga para ter acesso a uma gama extensa de conteúdo. E ele consome vários ao mês, o que faz valer seu investimento. Já nas plataformas de games, há uma limitação de catálogo. Por que o consumidor vai assinar a plataforma da EA, por exemplo, sendo que ele gosta de jogar jogos de outras publishers também?

As próprias empresas do setor já precificaram essa postura do consumidor e entendem que as assinaturas devem ser sempre uma parcela pequena do seu negócio, no máximo de 10%. Há ainda outra questão relacionada ao retorno. Para entender mais profundamente essa lógica, é preciso detalhar um pouco mais o modelo de negócio desse setor. O publisher ganha dinheiro com a parcela do tempo que o jogador jogou de um determinado jogo. Se ele jogou 100% do tempo do mesmo jogo, ele ganha 100%, lógico, desconsiderando aqui os valores a serem pagos para Apple e Microsoft. Na prática, é o share of time. É um incentivo para jogos de engajamento. 

Por outro lado, cria-se aqui um desalinhamento de interesses, já que quanto mais jogos estiverem disponíveis na plataforma – uma exigência do consumidor – mais diluído será o retorno para o publisher. Então essa é uma equação que ainda precisa ser resolvida.

Inovações: Multi Platform e Cross Platform

Na esteira do tema, seria impossível falar do segmento game sem abordar a democratização do Cross Plataform e Multi Plataform, que após o boom do celebrado jogo Fortnite, revolucionou a experiência do usuário como jogador. Sobre isso, é importante diferenciar os dois modelos. O Multi Plataform nada mais é que ter o mesmo jogo, como o FIFA, disponibilizado em hardwares diferentes, como os consoles e o computador. Esse modelo independe de interação interpessoal. O Cross Plataform é ter a experiência de interação de usuários dentro de um jogo. O jogador de FIFA do computador poder jogar com o jogador de FIFA de um console.

De maneira resumida, o Cross Plataform é um sonho entre os jogadores e os publishers, mas que os donos das plataformas  do setor – como Sony, Nintendo e X-BOX – resistiram inicialmente quanto ao modelo. Toda plataforma quer possuir a maior base de jogadores. Por que ela dividiria seus jogadores com plataformas menores?. Entretanto, essa linha de pensamento começa a mudar aos poucos quebrando a barreira entre as plataformas, deixando como principal concorrente os jogos exclusivos e o serviço prestado ao usuário.

 

a microsoft fez parceria com a nintendo pra. eu diria que a maioria dos games que foram multiplayers que foram multiplataformas serçao cross plataform. 

E uma vez vencido o desafio da distribuição, as plataformas vão focar em experiência, umas vez que será possível jogar determinados jogos tanto no Playstation, no X-Box ou no PC. A partir daí a experiência do jogo, do serviço e a exclusividade ganham um papel fundamental. É extremamente provável que Gears of War nunca vá sair da Microsoft, assim como o Mário não vai sair da Nintendo.

Além disso, é preciso reforçar que, embora o hardware seja muito poderoso atualmente, a experiência do jogador pode e precisa melhorar. No smartphone, por exemplo, há desafios de interface: o toque não é preciso. No caso do console, a experiência é muito boa, mas precisa tornar mais portátil. O fato é que a experiência tem que ser fluida.

Webgaming

Por fim, a aposta final da Nuuvem é no amadurecimento dos browsers como Chrome, Firefox, entre outros. Embora isso vá demorar a acontecer, há muito dinheiro sendo investido em WebAssembly, que, na prática, é uma tecnologia que permite que o browser tenha uma performance muito similar a de um aplicativo nativo. Isso significa que que o jogo vai rodar com o download sendo realizado. 

Para o jogador, é o fim das quedas de sinais, de latência, e um custo operacional extremamente mais baixo. Seria, então um meio do caminho até a sonhada Cloud Gaming, que consiste no jogo sem a necessidade do download. Além disso, é mais um passo para que o browser assuma o papel cada vez mais de sistema operacional, escanteando o windows. Para muitas coisas, ele já é: midias sociais, email, vídeos. Poucas coisas são realizadas fora do browser.  

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