Os anos de 2020 e 2021 são catalisadores de mudanças que já caminhavam na sociedade, ainda que a passos lentos. A preferência dos consumidores por alimentos mais saudáveis é uma delas. Tanto que o mercado de alimentação saudável alcançou R$100 bilhões durante a pandemia, maior valor desde o início do monitoramento em 2006.

O impulso por trás da grande movimentação são a variedade de produtos alimentícios saudáveis — e práticos. Na verdade, a praticidade é um dos princípios mais valorizados durante a pandemia e tende a continuar sendo após. Até 2025, a expectativa é que o setor de comidas prontas e saudáveis cresça 27% — além dos 33% que já cresceu entre 2015 e 2020 —, segundo a Euromonitor International.

A pesquisa Hábitos Alimentares na Pandemia, realizada pela OnePoll a pedido da Herbalife Nutrition, mostrou que, já em outubro de 2020, 47% dos brasileiros passaram a dar mais atenção para a necessidade de adotar novos hábitos alimentares.

Outro estudo, da Tetra Pak, aponta que 62% dos brasileiros concordam com a afirmação “ser saudável é se manter seguro”. Saudável, nesse caso, significa uma alimentação com ingredientes naturais (afirmado por 51% dos entrevistados), alta prevalência de nutrientes (36%) e ausência de conservantes nos produtos (36%).

O mercado de produtos orgânicos, teve crescimento de 30% em 2020, faturando R$ 5,8 bilhões.

Além disso, é possível observar um crescimento na quantidade de veganos e vegetarianos no país. A Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) já havia registrado, em 2018, que 14% da população brasileira (cerca de 30 milhões de pessoas) adotava uma dieta vegetariana, seguindo um aumento de 20% na adoção ao veganismo em 2019. Ela também segue mapeando tendências, como a alta de opções “plant based” (à base de plantas) no setor de food service.

Um relatório divulgado recentemente pelo Atlântico, fundo de venture capital, confirma o aumento no interesse por fontes alternativas de proteína. O estudo aponta que, pelo menos uma vez por semana, 59% dos brasileiros consomem proteína de origem vegetal, superando a frequência de  carne de porco e peixe à mesa. Sobre o hambúrguer vegetal, 44% dos consumidores afirmaram nunca ter provado, mas gostariam de experimentar. 

A inovação criando práticas sustentáveis

O mercado pegou tração a partir da demanda dos consumidores. Agora, é possível perceber tendências para os próximos anos, seguindo as escolhas que foram feitas durante a pandemia.

Algumas delas são exploradas no estudo feito pela plataforma BHB Foods e Suplementos e pela Decode, em que mais de 80 mil posts e quase 20 mil matérias online foram analisados. Ou seja, os dados apontam diretamente para o comportamento do público.

A primeira tendência é a já mencionada plant based. Trata-se de um movimento já popularizado internacionalmente e que ganha cada vez mais adeptos ao redor do mundo. Além de priorizar a alimentação saudável, também está ancorado na preocupação com o meio ambiente e adoção de práticas sustentáveis, com o desenvolvimento de alimentos a partir de vegetais e usando tecnologia.

A dieta plant based é ideal para quem tem tudo isso em mente e quer cortar ou reduzir o consumo de carne, bem como aumentar o consumo de frutas e legumes. Entretanto, por ser uma área que preza pela sustentabilidade, é importante que as empresas também atuem de forma ambientalmente consciente nos demais aspectos. Muitos consumidores buscam saber como funciona a produção dos alimentos, das embalagens, se há desperdício, entre outros fatores relacionados.

Outras tendências identificadas no estudo incluem o clean label (alimentos mais naturais, com menos aditivos e corantes e pouco manipulado no geral) e o aumento do consumo de proteínas e suplementos.

Cada vez mais investimentos e aquisições

Em resposta a essas correntes, muitos empreendedores estão inovando e adentrando os mais diversos espaços do ramo alimentício. Simultaneamente, os investidores e as grandes empresas estão acompanhando a movimentação. Não faltam exemplos de startups de sucesso ou grandes investimentos no mercado global.

Um caso muito popular no Brasil é a compra da marca Mãe Terra pela Unilever, em 2017. A empresa brasileira era um negócio de médio porte que já atuava há mais de três décadas quando foi adquirida pela multinacional (os valores não foram divulgados). Na época, a marca já estava sendo abordada por outros grandes nomes. No fim, a Unilever levou a melhor, e a fusão levou a Mãe Terra para o varejo de uma maneira muito mais expressiva.

A norte-americana KIND é outro exemplo de sucesso global. A empresa foi fundada em 2004 e atua no setor de snacks, produtos de consumo rápido, sempre com foco em serem saudáveis. Em 2020, foi comprada pela Mars, uma das maiores corporações dos Estados Unidos. O valor não foi divulgado oficialmente, mas a estimativa é que tenha sido uma negociação de US$5 bilhões.

Ainda em 2020, e vindo para o campo das startups, um nome brasileiro se destacou ao alcançar um valuation de R$715 milhões: a Fazenda Futuro. A foodtech foi inaugurada em 2019 e já está na série B, com o maior aporte — que a levou ao valor que está atualmente — de R$115 milhões liderado pelo banco BTG Pactual. No pequeno período em atuação, a Fazenda Futuro já se encontra em outras regiões do mundo, como Europa e Emirados Árabes. O produto-chefe? Carnes feitas de plantas, mas com a promessa de manter o sabor, textura e suculência da carne de boi. A partir delas, são vendidos pastéis, almôndegas e, principalmente, hambúrgueres. Também é possível comprar os produtos congelados para preparo em casa.

Há outros exemplos mais recentes ainda. Outra startup brasileira, a The New, que entrou no mesmo campo das carnes de plantas, recebeu um investimento internacional da venture capital Level VC. O diferencial é que a foodtech  aposta especialmente na variedade de produtos, além de focar ainda mais em deixar os produtos saudáveis, sem glúten, transgênicos ou aditivos. As opções vão de frango à linguiça, de bolinho de bacalhau à nuggets.

Liv Up, marca conhecida especialmente pela oferta de refeições congeladas entregues via delivery, estendeu a série D de seus investimentos e finalizou com um aporte de R$230 milhões. A extensão abrigou R$50 milhões da Globo Ventures, braço de investimentos do Grupo Globo.

Latinex, de snacks e temperos saudáveis, foi comprada pela M. Dias Branco, líder no mercado brasileiro de massas e biscoitos. A negociação parte do preço inicial de R$180 milhões e pode chegar até R$272 milhões, conforme as metas previstas em acordo sejam alcançadas.

Por fim, não podemos deixar de mencionar a Dori Alimentos, já muito conhecida dos brasileiros, e seu plano de IPO para outubro deste ano. A empresa pretende levantar cerca de R$1 bilhão, o que certamente movimentará o mercado. Não à toa, estão chamando o evento de “IPO dos snacks”.

Devo investir em foodtechs do ramo de alimentação saudável?

O mercado deixa claro que há bastante espaço para foodtechs que apostam em alimentação saudável. Mais do que isso, aquelas que inovam, unindo as diversas demandas da população, são as com maior potencial.

Investir nesse setor traz uma grande possibilidade de escalabilidade, já que atua com dois dos fatores mais populares entre as tendências: saúde e praticidade. Como toda startup, há também atenção especial às tecnologias do momento e um forte acompanhamento do movimento do público, criando e acompanhando tendências. Tudo isso resulta em negócios escaláveis.

Portanto, é importante que o investidor fique atento a todos os aspectos que fazem com que o consumidor escolha a foodtech em questão. A empresa deve ter a visão completa — saúde, meio ambiente, acessibilidade, praticidade — para entender o cliente.

Este é um momento propício para o crescimento do mercado saudável e/ou vegetariano e vegano. O que já estava dando certo até 2019, provou-se uma escolha firme da população durante a pandemia. Em breve, teremos uma situação menos caótica, e com um público que não existia antes. Tudo indica que esse é, de fato, o futuro da alimentação.