Artigo originalmente publicado na Draft.

A pandemia fez ressurgir um hábito: o de se preparar a própria comida. Com mais tempo em casa, muita gente resolveu levar sua alimentação mais a sério e descobrir (ou redescobrir) o seu “chef interior”.

Uma pesquisa recente — “Alimentos: o que muda nos hábitos alimentares depois da pandemia?”, divulgada pela plataforma Gente, do Grupo Globo — comprova essa tendência. Perguntados sobre atividades que foram intensificadas no período, 48% responderam “cozinhar em casa”, enquanto 16% indicaram os pedidos de delivery.

Kuke — o nome significa cozinhar na língua havaiana — vem surfando essa onda. Fundada em 2017 e com operação, por enquanto, apenas nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói, a startup envia para a casa do cliente kits para o preparo de receitas, com ingredientes na medida certa e um passo a passo ilustrado.

Em 2020, a empresa viu sua receita crescer 20%. E ainda ganhou um impulso extra depois que um tuíte da cantora Maria Rita virou meme (a gente já te explica essa história…).

COMO MELHORAR A ALIMENTAÇÃO QUANDO VOCÊ NÃO SABE COZINHAR?

A capixaba Renata Ferretti, 35, é formada em Administração e Direito. Quinze anos atrás, trocou Vitória por São Paulo em busca de trabalho.

Ela fez carreira na Whirlpool, na Michael Page e na consultoria Korn Ferry — e na correria do dia a dia, acabou descuidando da alimentação, optando por congelados, carnes e massas, com pouca variedade.

Em 2012, Renata começou a refletir e percebeu que precisava balancear sua dieta. Havia uma barreira. Ela não queria depender de delivery nem de restaurantes, mas tampouco sabia cozinhar.

“Venho de uma geração que se distanciou da cozinha. Percebo que pessoas um pouco mais novas já têm essa conexão, e as crianças ainda mais. Elas querem até ser chefs. Eu percebia que chegava no supermercado e não sabia o que comprar, porque não conseguia combinar os ingredientes”

Desde nova, ela sabia que queria empreender um dia. “Tem gente que já nasce sabendo que quer ser médico. Eu queria ter um negócio.”

Esse sonho foi tomando forma a partir de uma ideia: seria bom se existisse uma espécie de ‘sacoleira’, alguém que pudesse selecionar os ingredientes para que ela preparasse um prato.

NA ALEMANHA, RENATA ENCONTROU UMA REFERÊNCIA PARA SUA STARTUP

Renata passou a frequentar feiras de gastronomia, a ler e ver documentários sobre o tema, como a série Cooked, disponível na Netflix e estrelada pelo ativista da alimentação Michael Pollan.

Fez ainda um curso de natural chef na NOS Escola, com Anna Elisa de Castro (que depois assinaria criações da Kuke) e uma imersão de 12 dias na Alemanha para conhecer negócios na área.

“Descobri que a Alemanha é uma referência quando o assunto é consciência alimentar, em especial a cidade de Berlim. Apesar de o país não ser o maior produtor de orgânicos da Europa, é o que mais consome. Para se ter uma ideia, a Fritz-Kola, uma kombucha, vende mais do que a Coca Cola”

Na Alemanha, Renata encontrou uma empresa que fazia o que estava imaginando, a HelloFresh. Por aqui, ela diz, já existia uma startup nessa linha, o ChefTime (que hoje pertence ao Grupo Pão de Açúcar), mas com foco maior em praticidade.

“Queria que além de prática, a proposta fosse oferecer comida saborosa e saudável, fazendo uma curadoria de ingredientes frescos, naturais e orgânicos e dando transparência sobre a origem de cada um”.

A ADESÃO AO MODELO DE NEGÓCIO FOI TESTADA COM POP-UP STORES

Renata queria um negócio escalável, por isso pensou em uma plataforma online para oferecer seu serviço.

Antes, porém, resolveu testar a proposta em ambiente físico, com lojas temporárias (ou “pop-up” stores) dentro do espaço de outros varejistas.

Na época, 2017, ela já vivia no Rio, mas resolveu rodar o MVP em Vitória, sua cidade-natal, onde fechou parceria com duas empresas para testar o modelo.

“Na Couzina [loja de produtos e serviços para cozinhas industriais] ficamos por três meses. Testamos o pilar da experiência: por ser uma loja com cozinhas ambientadas, podíamos fazer aulas práticas com chefs. No Zaitt [mercado autônomo], ficamos 40 dias, testando o pilar do delivery e da conveniência”

Após o MVP capixaba, ela chegou a abrir mais uma pop-store no Rio, dentro do Organomix, antes de criar um espaço próprio no Leblon, para se aproximar ainda mais dos clientes.

ELA LARGOU O EMPREGO PARA SE FOCAR 100% NO NOVO PROJETO

No final de 2018, o negócio ganhou uma nova sócia: a economista Nina Bessa, que já tinha empreendido uma empresa de molhos e com quem Renata se conectou por indicação.

Simultaneamente, a plataforma online da Kuke começava a ser desenvolvida. E Renata decidiu abandonar o emprego e se dedicar ao projeto em tempo integral.

“Ficava imaginando o que a minha família pensaria por ter escolhido sair de um cargo estável, com perspectivas de crescimento e um bom salário para, no começo do negócio, ficar separando alho [risos]. Mas no fim das contas, era assim que eu estava mais feliz”

Em fevereiro de 2020 a Kuke enfim migrou de vez para o online. O espaço Kuke, no Leblon, até então um ponto de venda e contato com os clientes, passou a abrigar a produção de conteúdos, como as fotos do passo a passo das receitas e a gravação de vídeo-aulas dos chefs.

UM TUÍTE DA MARIA RITA VIROU MEME E DEU UM EMPURRÃOZINHO NO CONCEITO

Quando as sócias se preparavam para captar investimentos, estourou a pandemia.

A sorte foi que, com a digitalização, o negócio estava pronto para atender às novas necessidades de consumo das pessoas, agora confinadas em casa. E assim, ficou mais fácil entender a proposta da Kuke — no começo, era mais difícil:

“Logo que comecei o projeto, um amigo disse que quando se é muito inovador, paga-se o preço disso. É preciso quebrar cabeça, abrir o mercado”

A Kuke ainda contou com um empurrãozinho inusitado — quase que uma propaganda espontânea por parte da cantora Maria Rita.

Em novembro, a artista perguntou em seu Twitter:

“Alguém sabe me dizer se existe no Rio de Janeiro alguma empresa que venda os itens fracionados de uma refeição completa? Tipo, quero um macarrão com um molho específico. Ao invés de comprar a refeição do restaurante, eu compro os ingredientes pra fazer. Existe isso?”

A resposta parecia óbvia para quem não conhece o modelo da Kuke: o supermercado. Os internautas não perdoaram e transformaram a artista em meme.

Até que alguém teve a boa ideia de sugerir a startup, e Maria Rita retuitou a dica em seu feed: “Olha aqui outra dica massa”.

RENATA DIZ QUE O PREÇO SAI MAIS EM CONTA DO QUE O SUPERMERCADO

Ao entrar na plataforma da Kuke, o cliente escolhe a receita e recebe em casa, em pouco tempo, os itens frescos já devidamente fracionados — assim, além de oferecer praticidade, evita-se o desperdício.

Daí, é só seguir as instruções pelo site ou o tutorial impresso e ilustrado que acompanha o kit.

Renata diz que rola uma “curadoria” de fornecedores, sempre com ingredientes frescos, orgânicos e naturais. O cliente tem acesso ao nome de cada produtor.

Os pratos (sempre para duas pessoas) variam de 50 a 79 reais. Mais barato, diz a empreendedora, do que se paga em supermercados ou restaurantes.

“Se você for comprar os ingredientes para a mesma receita no supermercado, vai gastar 20% a mais, porque terá que adquirir um pote inteiro de manteiga de coco, por exemplo, para uma preparação que só utiliza um pouquinho… E em restaurantes, um prato com o mesmo padrão de ingredientes pode custar até o dobro”

São 21 pratos por mês (há opções vegetarianas e veganas) que variam com a sazonalidade dos ingredientes e datas temáticas. As receitas são elaboradas por empresas do setor ou chefs profissionais — estes recebem 5% sobre as vendas.

EMPRESAS USAM A KUKE PARA ENGAJAR COLABORADORES E CLIENTES

Desde o lançamento, a Kuke vendeu 4 500 refeições e registrou 1 900 clientes inscritos na plataforma.

No modelo corporativo, Renata cita algumas marcas já atendidas. Em colaboração com a Ambev, por exemplo, a Kuke criou uma experiência para ajudar a reposicionar a Stella Artois como uma cerveja “gastronômica”.

Outro case bacana, segundo ela, se deu com a OLX:

“Um grupo da área de marketing queria fazer o fechamento do ano e uma confraternização. Em uma chamada de vídeo, eles realizaram o balanço do ano e depois comemoraram cada um da sua casa cozinhando seu kit”

Telecine, por sua vez, adquiriu os kits de ingredientes da Kuke como parte de uma campanha de engajamento dos colaboradores, que foram incentivados a preparar as receitas em casa.

Com a Reserva, a startup cocriou um produto chamado “Oficina em Casa”, em que o cliente da marca recebia o kit para cozinhar uma receita enquanto acompanhava uma live com o chef preparando o mesmo prato.

O PRÓXIMO PASSO É INCORPORAR MAIS RECEITAS DO DIA A DIA

Nos próximos meses, a plataforma deve passar por ajustes.

Hoje, o consumidor encontra por lá receitas como ceviche, steak tartar e risoto de aspargos com limão siciliano. Não são exatamente pratos do dia a dia. A meta, agora, é incorporar uma comida mais cotidiana, com sugestões como picadinho.

A Kuke também passará a oferecer a possibilidade de harmonizar a refeição com cervejas, vinhos e drinques, ou complementar o prato com uma sobremesa, levando para o digital uma proposta que no começo era vendida no espaço físico da Kuke. E, a partir de março, será possível contratar aulas gravadas ou ao vivo.

Um passo a passo ilustrado de uma das receitas disponíveis no menu da Kuke. No caso, o prato é o steak tartar.

As sócias investiram até aqui 800 mil reais para construir o negócio. Depois de adiarem uma captação por conta da pandemia, elas levantaram, em janeiro, 500 mil reais em uma semana, por meio da EqSeed, plataforma de equity crowdfunding.

Agora, essa grana deve ajudar na expansão para outras regiões, permitindo aumentar o time e estruturar novos modelos de parceria.

O objetivo é fechar 2021 com uma receita bruta de 1 milhão de reais — ajudando cada vez mais pessoas a (re)descobrir o barato que é cozinhar.